MULHERES NO AUDIOVISUAL: e as mulheres fizeram Hollywood

Presentes no audiovisual desde o nascimento dessa arte, as mulheres estão tanto na frente, quanto atrás das câmeras. “Até 1925, as mulheres assinavam metade dos filmes americanos”, conforme estatística apresentada no documentário E as mulheres criaram Hollywood (2016). Nomes apagados, no escuro, à sombra do preconceito ou de nomes masculinos. Se elas realmente existem, onde foram parar seus trabalhos? Quem são elas?

QUEM SÃO ELAS?

Se formos citar nomes, podemos começar lá atrás com Thea Gabriele von Harbou, Gene Gauntier, Marion Leonard, Louis Weber, Cleo de Verberena, Frederica Maas, Mabel Normand, Dorothy Arzner, Germaine Dulac, Maya Deren, Carmen Santos, Hope Loring, Gilda Abreu, Antonina Kanzhonkova, Elizaveta Vladimikova, Rosa Porten, entre milhares de outras.

Podemos falar de Louis Weber, por exemplo, que ao lado de personalidades como DW Griffith foi uma das primeiras grandes autoras do cinema, se envolvendo em todo o processo de produção dos filmes e colocando suas ideias e filosofias em seu trabalho. Estima-se que tenha dirigido por volta de 400 filmes, mas seu nome não foi colocado ao lado de Griffith nos livros de história. Ele foi chamado de Pai do Cinema nos Estados Unidos, mas não houve uma mãe. Não foi por falta de opções.

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Louis Weber dirigindo os atores no set de filmagem.

Além de Louis, podemos falar de sua aprendiz, Frances Marion. Ela nasceu em São Francisco sob o nome de Marion Benson Owens em 18 de novembro de 1888. Ela foi a roteirista mais bem paga por quase três décadas do cinema (antes da entrada do som), ela conduziu à fama com seus roteiros atores como Mary Pickford, sua amiga e parceira, Harlow, Valentino e Greta Garbo, e ganhou o Oscar por escrever \”O Presídio\” e \”O Campeão”. Marion auxiliou na definição da era de ouro do cinema Hollywoodiano e muito além do caráter nacional, contribuiu para criar uma linguagem cinematográfica mundial.

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Frances Marion recebeu o Oscar de melhor roteiro por dois anos.

Além desses méritos, Marion contribuiu diretamente para a desmistificação de que as personagens femininas deveriam estar sujeitas a decisões masculinas, atuarem como um “objeto” para se olhar ou um troféu para se conquistar. Seu talento era tamanho que o lendário produtor Irving Thalberg pediu que ela adaptasse uma versão de “A Letra Escarlate” para a tela, com a atuação da sua estrela Lillian Gish, porque nenhum outro escritor havia conseguido transpor o clássico romance de Hawthorne de forma satisfatória. 

Marion conseguiu manter-se fiel a história original e ainda colocar na sua heroína um caráter modernista. Muito além do papel estereotipado, ela insistiu que a protagonista Herster Pryne fosse uma mulher capaz de fazer as próprias escolhas. O filme fez tanto sucesso que reuniram a equipe sob o roteiro de Marion para um novo filme, a adaptação de “Vento e Areia”, uma inovação nas telas, uma história de desejo reprimido e explosão violenta, recebeu as honras de clássico apenas anos depois, por estar muito à frente de seu tempo, além de posteriormente consolidar-se como o último grande filme da era do cinema silencioso.

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Mary Pickford e Frances Marion, da esquerda para a direita.

O DESAPARECIMEMTO

Cabe então a pergunta, por que essas mulheres desapareceram? Por vários motivos, mas principalmente, segundo Christine Gledhill, no seu livro Fazendo a história dos filmes das mulheres: o próprio dilema do cinema silencioso e o preconceito. O dilema se refere ao descuido com o material produzido no cinema, antes da era digital, além da grande quantidade de material destruído durante as duas grandes guerras. E o preconceito da época gerou consequências irreparáveis, ao tentar acobertar a produção fílmica feminina, em especial atrás das câmeras, relegando a elas reconhecimento, no máximo, pelo papel de atriz. (GLEDHILL,2015, p.49).

Uma das principais formas de apagar os nomes femininos se deu ao escondê-los sob o nome de seus maridos; o caso de Alice Guy Blanché é um exemplo marcante pela incrível disseminação de seus filmes como se fossem mérito do seu cônjuge. No livro The First One Hundred Noted Men and Woman of the Screen de Lowrey, uma releitura da obra de 1923, dedica uma página inteira aos grandes feitos de Herbert Blanché no cinema, e o nome de Alice Guy, a cineasta responsável, nem foi citado. Este é só um exemplo entre inúmeros casos semelhantes como o de Antonina Kanzhonkova ou o de Elizaveta Vladimikova. Infelizmente, situações como essa permanecem até os dias atuais como o caso de \”Nashville\”, roteiro de Joan Tewkesbury, que consta na lista de Furtado e muitos conhecem como um filme de Robert Altman. Outro exemplo, é o caso de \”Ladrões de Bicicleta\”, que como muitos filmes do neorrealismo italiano, teve a colaboração da incrível Suso Cecchi D\’Amico, mas pouco se fala dela.

Esse apagamento teve consequências drásticas, como a redução do número de mulheres no audiovisual. Segundo a Ancine, em 2016, 20,3% dos filmes lançados no Brasil foram dirigidos por mulheres, entretanto, 50% dessas produções são documentários, ou seja, em geral filmes de menor orçamento. Além disso, dos dez filmes brasileiros mais vistos nesse mesmo ano, apenas dois contam com mulheres na direção.

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Tabela “Evolução da participação de raça e gênero” desenvolvida pelo GEMAA
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Gráfico divulgado no estudo Participação feminina na produção audiovisual brasileira (2016), desenvolvido pela Ancine.

O NOVO MUNDO

A desigualdade é uma realidade, mas que tem sido combatida com força nos últimos anos dentro das produtoras audiovisuais e pelo público espectador também. Desde 1941, apenas 8 mulheres levaram a estatueta do Oscar em melhor roteiro original e apenas 8 levantaram o prêmio de melhor roteiro adaptado. No caso da direção, desde o surgimento do prêmio da Academia, apenas 8 foram indicadas e 3 ganharam. Já em 2021, Chloé Zhao e Emerald Fennell levaram para casa sua estatueta dourada por melhor direção e melhor roteiro original, respectivamente.

Iniciativas como a do prêmio Cabíria, que busca dar visibilidade para filmes que possuam ao menos uma protagonista feminina relevante, contribui para que essas histórias tenham mais chances de encontrar financiamento e serem produzidas. É também objetivo do prêmio reconhecer o trabalho e colaborar para o desenvolvimento da carreira de mulheres roteiristas. Outra iniciativa importante é da More Girls, que criou um banco de profissionais para incentivar e aumentar o número de mulheres no audiovisual. 

O avanço pode ser lento, mas cada um faz a sua parte. As iniciativas externas funcionam como motor para repensar o pensamento vigente por muitos anos, separando trabalho de homem e trabalho de mulher. Como disse Louis Weber: “Acho que não existe um tema ou enredo específico em um bom roteiro que não possa se dirigir com a mesma força a ambos os sexos”. – Lois Weber